O sono aqui é grande e não tenho nada escrito pra postar. Deixo um pedaço de texto do Daniel Galera ainda da época do CardosOnline. Não discuto as qualidades literárias dele; só li o "Dentes Guardados" e portanto não me atrevo a dizer nada. De qualquer forma, isto é mais uma crônica, eu acho.
Sei que ele escreveu coisas melhores no COL, na "Farrapos". Ou não. O sono é grande, enfim.
- Ricardo--------/--------
"Minha coluna anterior não saiu porque não tive tempo de escrevê-la. Estava em Gramado, participando da cobertura do Festival de Cinema para o portal Terra, onde trabalho desde maio. Trabalho essencialmente jornalístico, muito embora na internet o limite entre jornalismo, publicidade, design e tecnologia não faça muito sentido. As coisas se juntam. Em Gramado, fiz entre outras coisas: tirar fotos digitais, filmar entrevistas com câmera digital, editar as imagens e vídeos obtidos, fazer matérias jornalísticas e enviar notas pelo celular para a redação, resenhar filmes, publicar releases, editar o site especial do Festival (design, diagramação, programação), instalar e resolver problemas de hardware etc. Tudo ao mesmo tempo. 'O profissional do futuro' e tal. Pau pra toda obra. Éramos quatro, num stand na sala de imprensa, trabalhando na cobertura. Tudo era feito lá em Gramado mesmo, não mandávamos nada para as Redações de São Paulo ou Porto Alegre. Os chefes só ficavam supervisionando o resultado e mandando xingões por ICQ. Profissionalmente, foi uma puta duma experiência, embora exaustiva.
Podia ser menos exaustiva, se eu não fizesse questão de sair e beber todas as noites. Foi foda. Dormir umas 3 horas por dia e trabalhar 14h, 15h direto, saindo só pra comer sanduíche ou bater fotos na rua. Acabávamos o trabalho lá pela 1 da manhã. E eu ia direto pras festas. Que foram todas furadas. O único lugar que parecia reunir as pessoas era o bar do Hotel Serrano. Nas madrgadas lá estavam imprensa, celebridades, staff do evento, todo mundo. Festas sem nada de
especial, bebida cara etc. Mas mesmo assim eu ía. Porque, pelo menos pra mim, é melhor sacrificar o sono e tomar uns tragos do que ficar na mera alternância trabalho/hotel. Isso é de enlouquecer. Tem que chutar o balde um pouco, se preocupar com outras coisas, adicionar uma pitada de inconseqüência ao esquema, senão vira tortura.
Não tive tempo de ver os filmes, com exceção de um, Pantaleón y las visitadoras, peruano, que veio a ser o grande vencedor do Festival. Um filme bem legal mesmo. Inteligente e engraçado, com uma história que não tinha como dar errado: um militar todo certinho é designado para criar um serviço de prostituição que atenda os soldados da selva peruana, cujo furor sexual gera uma onde de estupros na região. Mas a maior atração do filme é a comentadíssima atriz boazuda Angie Cepeda, que faz o papel de uma das prostitutas, a Colombiana, uma mulher sedutora e misteriosa que leva o herói a cometer uma série de desatinos. Ela é indescritivelmente gostosa. A única tentativa de descrição que vi nos jornais arriscava um 'beleza sobrenatural' para defini-la. Infelizmente, ela não compareceu ao Festival.
Eu sempre quis matar minha curiosidade sobre alguns aspectos do trabalho jornalístico: até que ponto o jornalismo é mais, ãh, digamos, digno, do que a publicidade? Por princípio, o jornalismo é uma atividade muito mais nobre. Visa informar, esclarecer, gerar debate etc. A publicidade nunca teve problemas em se assumir como um mecanismo de enfiar produtos goela abaixo das massas, o que lhe confere pelo menos uma qualidade: a honestidade (que não está presente, evidentemente, nas peças publicitárias em si, mas sim no ambiente profissional). Já no caso do jornalismo, nunca compreendi direito. Um cara que tá fazendo uma daquelas matérias rasas e sensacionalistas para a agora extinta Revista ZH, ou que está redigindo uma notícia política segundo restrições e orientações editoriais que nem sempre permitem alcançar o ideal de objetividade, o que passa pela cabeça dele? Os ideias de nobreza do jornalismo são uma preocupação presente na cabeça dos profissionais?
Minha experiencia própria e observações do trabalho alheio no Festival só confirmaram minha impressão de que o jornalismo cultural funciona hoje em dia mais com o objetivo de vender o jornal do que de fato cobrir, noticiar e resenhar a cultura para o público. Claro, isso não é nenhuma novidade, mas quero passar minha sensação depois de trabalhar com a coisa. O trabalho básico consiste em arranjar imagens e declarações de celebridades, reescrever releases e elaborar pequenas materiazinhas sensacionalistas. Eventualmente, um comentário crítico, uma entrevista mais profunda com um diretor idoso, feio, rabugento, mas importante. Mas não demais, sob o risco de aborrecer o leitor/espectador.
Mesmo assim, o jornalismo ainda está numa situação um pouco melhor do que a publicidade, pois nele é maior o espaço para encaixar um pouquinho de inteligência e crítica no meio de todo o espetáculo. Na publicidade, isso é quase inviável, pela própria natureza da atividade. É possível captar, nos jornais, esse esforço de transcendência, pipocando aqui e ali no meio das grandes fotos coloridas. Acho que em qualquer profissão, em maior ou menor grau, isto é possível: transcender a finalidade última - a econômica. Fazer com boa-fé, explorar o potencial afetivo, intelectual ou emancipatório de uma profissão. No caso do jornalismo, transcender o fato de que se está produzindo conteúdo para uma empresa que, com poucas exceções, só quer mesmo é vender o máximo possível daquele monte de papel impresso, pro maior número de pessoas possível.
Deixando os princípios e ideais de lado, devo dizer que foi legal ficar pra lá e pra cá tirando fotos de artistas e de meninas escupulosamente arrumadas para o desfile público do fim-de-semana nas calçadas de Gramado. Ter um crachá de imprensa no pescoço torna facílima a tarefa de conseguir a atenção de um ser humano. A possibilidade de sair numa foto de jornal ou internet é um desejo secreto de boa parte das pessoas. Foi divertido lidar com isso.
A relação das celebridades com a câmera, por outro lado, é uma coisa completamente distinta. Alguns têm mais boa vontade de que outros. Alguns realmente são simpáticos e se esforçam pra dar atenção à imprensa. Mas nunca deixa de existir a sensação de que toda essa encenação para o espetáculo da mídia é um fardo tremendo, tanto pra jornalistas quanto para celebridades. A relação é ambígua: o fotógrafo não tá nem aí pra vida desse monte de artistas babacas; os artistas não aguentam mais o pé-no-saco de posar pra fotos e conceder entrevistas rasteiras e repetitivas. Mas, nas entrelinhas, rola uma certa cumplicidade: os dois lados sabem que estão representando no mesmo palco, e sem a metade oposta, o show acaba. E é do show que tiramos o sustento."
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